quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Os fugitivos de Fidel


Os fugitivos de Fidel

Quando eu conheci Madalena havia um mês que ela tinha regressado de Havana. Era véspera do meu aniversário de 15 anos e o meu primo de Belo Horizonte trouxe a namorada para a festa.  Madalena muito simpática e comunicativa relatou-nos a viagem a Cuba que já não empolgava meu primo.
Enquanto eu mostrava a cidade vasculhava minha mente atrás de alguma impressão sobre a cultura, o povo, a geografia, as belezas naturais, enfim algo sobre aquela ilha caribenha. Lembrei da música cubana, do ritmo, da revolução, do passado de colonização que os unia a Espanha e a nós a Portugal, ilha distante, mas próxima em sua latinidade.
Perguntei qual era o aspecto de Cuba? Como era o povo cubano? O que eles pensavam sobre o Brasil? Madalena respondeu que os cubanos era sorridentes, alegres, solícitos. Eles adoravam os brasileiros, tidos como altruístas, ela tinha inclusive feito uma amiga por lá.  Mais tarde ela mostrou fotos do mar azul claro, dos colegas, das amigas...Então perguntei se ela conhecia uma cantora cubana que fazia muito sucesso nos Estados Unidos? O nome dela era Glória! Eu infelizmente não recordava o sobrenome. A moça disse que não conhecia! Na verdade, Madalena desejava falar de outras glórias e não estava interessada em algo sobre uma celebridade desterrada.
 Ela falou sobre a impressão que teve do estudo em Cuba; tido como organizado, aparelhado. Havia uma peculiaridade lá, já que todas as pessoas tinham a oportunidade de estudar em boas universidades. Afinal, ela foi a Cuba fazer um curso de especialização... Não cansou de elogiar os professores até que meu pai perguntou se ela viu o Fidel.
Bem ela não viu Fidel, mas ouviu o presidente. Na rádio e por três horas consecutivas. Ressaltou, porém que os cubanos não se incomodavam em ouvi-lo discursar por tanto tempo, ao contrário eles adoravam sua figura e toda a luta que ela representava.  Fidel...
Aos quinze anos este nome me parecia palpável, uma figura que ia além dos livros de história. Ele era o responsável pela universidade bem equipada onde Madalena estudou. Devia ser bom um país onde pessoas estudiosas; de qualquer classe social e independente da cor da pele tinham a chance de tornar-se dentista. Pensei. 
No outro dia eu tive que me arrumar para a festa e durante toda à noite não pude conversar com Madalena. Depois ela foi embora deixando sua impressão sobre Cuba, o namoro com meu primo terminou e eu nunca mais a vi.
Alguns anos e muitas aulas depois eu quase apanhei dos marxistas mais exaltados na faculdade. Certo dia uma professora cantou a internacional e passou Doutor Jivago na aula sobre Revolução Russa... Che Guevara é ídolo e Cuba é noticia novamente por aqui desde a doença de Fidel. Hoje vejo nos telejornais a notícia de que quatro membros da delegação cubana que participavam dos jogos pan-americanos sumiram.  Entre eles um ídolo do boxe cubano. O que aconteceu? Una decepcion...
Logo depois Fidel os considera traidores. Traidores?  Talvez mais importante que a terra ao qual fomos lançados no nascimento seja a terra que escolhemos para viver, enfim aquela que nos dá mais oportunidades. Ai eu indaguei: Qual a imagem do Brasil para estes desportistas? Qual o sentimento deles em relação ao próprio país? Como estão os parentes que ficaram para traz? Eles pretendem pedir asilo político? Eles estão rumo à Europa? Difícil precisar. Não é uma viagem corriqueira, mas uma decisão, quem sabe definitiva? Não vejo nem mesmo a doce Madalena para tentar explicar...

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Retrato

                     Retrato 
                                                                                   Para a minha querida avó                              

Vejo-a em um retrato
Momento calado
Preto, branco, mas com o colorido da alma
Olho com calma a ilusão de um doce instante
Momento registrado
Nos olhos dela brilha o que já morreu! 

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Literatura Francesa: Bola de sebo e outros contos




O escritor francês Guy de Maupassant expôs vários visões da prostituição no século XIX em seus contos. As mulheres dele possuem diversos tipos, rostos, condições financeiras e culturais.
No conto Yvette encantamo-nos com a jovem volúvel e surpreendentemente inocente. Por que não inocente? Essa é a grande grave do conto, pois sabemos sobre a bela moça, a princípio, através da narração do rico Jean de Servigny. Ele mostra uma Yvette linda e que usa bem de sua condição de donzela para enlouquecer seus diversos pretendentes.
O narrador acha-se o preferido e o provável deflorador dela. Não existem intenções românticas por parte de Servigny, há apenas um jogo comandado pela esperta Marquesa Obardi. Ela é cafetina, prostituta de luxo e para os dissabores de Yvette sua mãe.Todavia, a mãe da moça é antes de tudo uma mulher apaixonada e sonhadora.
Ela ama seus homens e é indiferente ao futuro da filha. Na verdade, Madame Obardi pouco se importa ou incomoda-se com o fato de Yvette ser cortejada pelos homens e viver naquele ambiente pouco respeitável pela sociedade.
Ao contrário do que Servigny inicialmente supôs, Yvette não é assim tão sabida e tão pouco manipuladora. Defrontada com a realidade que a espera Yvette sucumbe. Há a impossibilidade de um romance que a leve ao casamento. Apesar de sua virgindade e mesmo ignorância diante dos fatos que a cercam, a prostituição é o futuro que a espera. Tal destino se impõem.
A bela, mas pobre mãe desejou uma vida melhor e a obteve na prostituição de luxo. Quando enveredou por tal caminho condenou Yvette de antemão. Servigny mesmo compreendendo o desgosto da moça, é firme. A ela o seu amor é oferecido, não o casamento. Neste conto estão as causas que levam mãe e posteriormente filha a prostituição. Apesar de viverem luxuosamente estão a margem da alta sociedade da qual fazem parte seus clientes.
Yvette vive numa realidade artificial onde todos tem títulos de nobreza, mas a vida na verdadeira alta sociedade é impossível.
A alta sociedade francesa é o pano de fundo para uma maravilhosa história onde a prostituição aparece de forma sutil e singular. Ricos amigos se divertem ao que o orador da noite, o vivaz e curioso José de Bardon começa a narrar uma de suas histórias. Uma aventura amorosa incomum se descortina. Ao visitar o túmulo de um antigo amor o narrador encontra uma encantadora viúva.
A mulher vestida de um luto pesado parece sentir muito a perda do marido, morto meses antes. Inconsolável, a mulher desfalece e Bardon tem que ampará-la até em casa onde ouve sua triste história. Deste modo começa uma fugaz história de amor, mas inesquecível para ele. Recordando sempre a história de amor com a viúva e supondo um encontro Bardon volve ao cemitério.A mulher vindo de outra parte do cemitério não quer que ele a reconheça, porque desta vez é amparada por outro homem. O narrador se depara com uma nova categoria de prostitutas e a ideia original da mulher o intriga .
O que teria a motivado e, supondo que a falsa viúva não estivesse só no ofício, classificado as mulheres que pescam homens nos cemitérios como as tumulares. A prostituição também aparece de forma perspicaz em O sinal. O gentil movimento de cabeça aguça a imaginação da baronesa que observa a nova vizinha de janela. O sinal revela que a vizinha é uma prostituta se insinuando os transeuntes.
A baroneza que gosta de apreciar o movimento da rua encanta-se com aquela singularidade. Percebe que a janela onde ela repousa os cotovelos para tranquilamente observar a rua pode indicar uma situação ousada, sedutora e ao mesmo tempo terrível. Afinal, totalmente contrária ao seu universo, é tentada a fazer o mesmo. A baronesa analisa os homens que passam e quer sondar o poder de sedução daquele ato.
Cisma se a tomarão por uma prostituta, ela que se considera um outro modelo de mulher. O fato de uma prostituta se diferenciar apenas por um delicado sinal com a cabeça a intriga . Depois de estudar o olhar ela tenta, depois do flerte o passante acha que pode subir a sua casa. Ela pensa na explicites da situação por trás do gesto. Em segundos apavora-se ao lembrar-se do marido, no que pensarão os criados ao ver o estranho e na ameaça que aquilo representa a sua condição social de nobreza.
Diante do homem estúpido e insistente que acredita tratar com uma prostituta, a baronesa vê-se sem saída e submete-se a farsa até o fim. A consequência desagradável do ato, porém é o ínfimo valor depositado pelo homem e que é pago a prostitutas que pescam homens à janela. Ela sente-se ultrajada, aborrecida, pois todo o glamour de sua casa e condição social foram reduzidos a dois luíses.
Ao final a ironia se estabelece no conselho da amiga de repassar o incomodo valor ao traído barão. A título de indenização e em forma de presente .

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

1984

Wilston é um membro do partido externo, um burocrata amargurado com sua vida indigna no presente, assim como é atormentado por tristes lembranças do passado. Ele é funcionário numa repartição em uma Londres fictícia, onde as notícias são apagadas, distorcidas e reescritas antesde chegar até os cidadãos da Oceania.
Ele é um editor manipulador dos arquivos, afim de que as pessoas não tenham a noção de como era a vida antes da Revolução. Para dificultar a memória dos cidadãos o Grande Irmão (personificação do poder que concentra a adoração de todos) e os seus camaradas criaram um novo idioma: a Novilíngua. Somente as informações oficiais são disponíveis aos cidadãos, desta forma ninguém sabe ao certo o que acontece nas trincheiras da guerra, bem como, nenhuma informação prejudicial aos olhos dos líderes do Partido passa sem antes ser reescrita.
Nenhum livro é publicado sem ser riscado e reescrito na Oceania, bem como toda a História pregressa do país é modificada.
Há o controle total do Estado sobre a vida das pessoas. Tal controle só é possível, porque elas são vigiadas o tempo todo por escutas, informantes e a temida e onipresente Teletela instalada nas casas. Ela além de dar ordens, oprime e coíbe as ações dos moradores. Sempre acontecem desaparecimentos de pessoas sem explicação, paira no ar o terror de ser acusado de inimigo do Regime. As pessoas receiam tudo e todos, e se policiam para não falar algo comprometedor. Falam e fazem o que não pensam: é o duplipensar.
Desejos, pensamentos, ambições, amor, amizade, sexo, a escolha do parceiro também são assuntos pertinentes ao Partido, liderado pelo adorado Grande Irmão.A vaidade também é desestimulada nas mulheres, somente o culto a personificação do poder é incentivada ao último. A cara do Grande Irmão, bem como a de muitos ditadores no mundo está estampada por toda parte.
A Oceania é um país com graves problemas estruturais, a população vive a escassez de gêneros e inanição, mas a imagem de prosperidade predomina. A nação vive em constante guerra com um de seus vizinhos Eurásia e Lestásia. O inimigo se alterna de tempos em tempos, ora o Grande Irmão é aliado da Eurásia, ora é opositor. Não por acaso o país está envolvido nessa guerra sem fim. A guerra alimenta um nacionalismo exacerbado que aliena as massas.
Deste modo, os cidadãos da Oceania tem a falsa idéia de que estão vivendo numa época ótima para o país e que antes a vida era insuportável. Frases enfáticas são utilizadas o tempo todo pela publicidade oficial.
O gin alimenta Wilston que vive angustiado porque sabe a verdade. É um homem acabado com dores em sua perna ulcerada, esfomeado e atormentado por lembranças desconexas do passado. Afinal,  as liberdades individuais morreram, nenhum sonho pessoal é válido, nada é possível em Londres além de trabalhar e cultuar o Grande Irmão.
Nas reuniões regulares para cultuar o “salvador da pátria” o grande opositor do Regime é insultado, enquanto sua imagem aparece num grande telão. Ele é o inimigo número um a quem os camaradas devem odiar e descarregar todas suas insatisfações.
Numa destas reuniões Wilston repara numa moça, uma das militantes mais inflamadas. Ele nem imagina que Júlia consegue driblar a vigilância e viver uma vida dupla, na qual ele será inserido. Nela Julia consegue se libertar da lavagem cerebral do Grande Irmão.
Em um refúgio no subúrbio, Wilston tem contato com essa realidade. Ele e Júlia comem alimentos contrabandeados, bebem vinho e fazem sexo. Juntos escapam da escassez generalizada de certos produtos em que vive a Oceania, uma Cuba estilizada.
Eles vivem uma história de amor proibido, todavia, algo maior os une. A vontade de mudar a realidade opressora que vivenciam. A esperança os move até O’Brien que parece compactuar com as idéias do casal e que tem uma posição privilegiada no Partido. O’Brien passa a ser o caminho para a contra revolução.
Enquanto isso, a massa de proletários “os proles” vivem mergulhados na carestia e ameaçada por bombas do inimigo que caem, destroem, mutilam e matam nas ruas de seus guetos em Londres.
Devido aos anos passados desde a Revolução, pouca gente se lembra dos costumes e da vida antes. As cidades estão desconfiguradas e só um quadro na parede do refúgio de Wiston e Júlia faz lembrar o que era uma Igreja cristã.
As igrejas cristãs deixaram de existir “numa breve alusão ao que aconteceu aos tempos destruídos ou desfigurados em diversos países após a instalação do comunismo”
O sonho de fazer a contra revolução e a esperança que sacramenta o amor entre Júlia e Wilston serão sua ruína.O’Brien os levará rumo à prisão, a tortura e a um terrível dilema que dilacerará o amor que sentem. O fim do livro dá o tom do que é viver sob regimes totalitários como um todo. Um livro apaixonante, a frente de seu tempo e que nos faz refletir sobre as mudanças atuais no mundo e no Brasil e temer sim o domínio da foice e do martelo.