terça-feira, 30 de novembro de 2010

A oração

Sciens Jesus quia venit hora ejus, ut transeat ex hoc mundo ad Patrem: Sabendo Jesus que era chegada à hora de passar deste mundo ao Padre. — Isto disse o evangelista, falando dos mistérios da última Ceia, em que Cristo, com o maior prodígio da sua humildade, e com o maior milagre da sua onipotência, manifestou aos homens qual era o extremo com que os amava”. Padre Antônio Vieira.
      A oração das dezoito horas tocava no rádio. Isa apreciava a prece cantada sem entender  palavra, mas um dia sua mãe lhe explicou que era latim, a língua dos romanos. Idioma antigo conservado em alguns missais e cerimônias da Igreja. A mãe de Isa explicou num misto de professora e mãe.  A menina não entendia a oração por se tratar de uma língua morta. 
      Entretanto, a menina não compreendeu bem os esclarecimentos de sua mãe . As palavras da hora do anjo para ela faziam parte de um cântico belo, que a fascinava profundamente. Era um momento mistico onde ela podia sentir uma leva brisa, uma inexplicável paz.  
        Como pode estar morta se ainda cantam? Perguntava-se a menina.  
        A menina não largou o costume de todas as tardes vir correndo do fundo do quintal para ouvir a prece.  
     - Gracia plena, Maria Gracia plena, Benedict tato... Isa repetia de olhos fechados, apoiando o rosto com as mãos e posicionada em frente ao antigo aparelho de rádio sintonizado na AM.  
Como devia ser bonito o tempo dos anjos. Os anjos louvavam assim cantando... Pensava a menina.
        A avó observava contente a devoção infantil e explicava a Isa que aquela oração era a mesma Ave Maria que elas rezavam antes de dormir.  
          A  menina gostava mesmo era da música  que  tornava a simples prece num sublime momento e a acalmava. Imaginava o céu, seus lindos campos e seu anjo da guarda.  Ela queria que o seu anjo viesse vê-la.           Os anjos  de Isa tinham  rostos pueris e assas douradas, iguais aos anjos barrocos das igrejas de Ouro Preto.  Bem, talvez, refletia a menina, nem todos os anjos fossem daquele jeito.  
         Alguns deviam ser gorduchos e sardentos outros morenos. Devia ter anjos compridos e anjos velhos.
O mais próximo de uma figura angélica que Isa podia acreditar era a sua avó.  
      A menina via a avó penteando os cabelos longos iluminado-se, ela definitivamente não possuía assas, todavia, Isa via a avó com tal ternura que esta ótica a transmutava em uma figura angelical. Para Dona Isabel o anjo era Isa.