domingo, 12 de junho de 2011

Roupa Nova

    A música Roupa Nova fez meu pensamento voltar à casa dos meus bisavós em Bom Sucesso no interior de Minas. Casa branca de janelas verdes e esquecida no tempo onde várias histórias até agora borbulham. Por trás do ambiente convidativo no inverno, havia na cozinha o fogão à lenha aceso e estava pronto para passar um café, havia um gosto de decadência evocado pelos móveis antigos aos pedaços.
    No sofá da sala, simples, sem televisão, Sá Flor recepcionava as visitas e ressabiava desavisados. Ela era tão esquecida que de minuto em minuto perguntava o nome das pessoas e me confundia com as inúmeras meninas que viu na vida. Deste modo se esvairam também os causos da fazenda que eu tanto anseei ouvir.
   No quarto das solteironas os baús guardaram esperanças de um bom casamento, mas surreal era aquele quintal imenso cheio de bananeiras, pés de café, flores, enfim, onde haviam tantos mistérios imaginários, quanto um bosque.
    Dentre tantos fatos e personagens Quinha era o ser extraordinário. O homem passava os dias trancado no quarto. Era baixinho de uns luminosos olhos verdes que contrastavam com a pele curtida de sol. O cabelo liso e preto estava sempre emprastado de gel. Ele não conversava, e por isso, Quinha era mais insignificante que o oratório da sala, porém foi um das pessoas que mais alimentou minha curiosidade na infância. Eu imaginava inúmeras desventuras para a vida dele. Ele não despertava interesse na família, era quase invisível. Acho que era a sua intenção!
    Ninguém oferecia café ao Quinha, o aroma do café passado despertava-o do seu topor habitual. Depois de assuntar pela fresta da porta ele saia do quarto, tomava café e sorrateiro ia fumar seu cigarrinho de palha lá fora. As irmãs entregavam-lhe a roupa limpa passada e pegavam a suja no banheiro. Diziam somente que ele havia se aposentado.
   Era um homem triste, talvez um grande desiludido, beirando a loucura. O andar arrastado de fina melancolia. Será que Quinha tinha amigos? As pessoas não o compreendiam... Eu, visita sapeca o seguia com os olhos por toda a casa e sorria com simpatia. Simpatia ou pena?Agora já não importa se eu o agradei ou ofendi. Havia esperança de uma palavra, mas ela não veio. Eu também nunca me atrevi a dizer algo.
    Entretanto, antes de ser o enigmático Quinha, Joaquim foi um homem promissor. Uma dessas pessoas inteligentes que a família menciona com orgulho e as moças almeijam um bom partido. Quando moço foi trabalhar num grande banco em Belo Horizonte. Tinha planos, sonhos, lia muito, escrevia, pintava, cultivava esperanças de crescimento profissional, Quiçá !? Dai um dia ele apareceu em casa sem avisar. Havia abandonado o emprego sem explicações. Nunca voltou à Belo Horizonte, não trabalhou mais e por fim não desejou tocar no assunto. Calou-se para sempre!
    Toda essa história porque essa semana cismei com Pinduca da música Roupa Nova do Milton Nascimento. Pinduca é o oposto das personagens com os quais eu me deparei na minha infância, entretanto, ele fez reviver o Quinha. Encanteei-me com a letra da música. O Pinduca me lembrou Quinha por conta de algo que faltou ao segundo e que eu queria trasmitir-lhe no sorriso de menina: a renovação da fé, esperança! Meu tio-avô precisava de uma roupa nova...