quinta-feira, 29 de julho de 2010

cinco centavos

        Já era noite quando o miúdo entrou na sorveteria da praça. Ele, moreno-claro, possuía sobrancelhas escuras à lá Monteiro Lobato que se encontravam graciosamente na testa curta. A face, o cabelo raspado e a roupa de domingo davam um ar descontraído ao lusitano de seis anos. 
         Com ternura apreciei a independência do rapaz que ia servia-se de sorvete com o pote grande. Porém, ele necessitava de auxílio, o braço curto não alcançava o freezer. Foi então que apareceu a atendente gorda e grande. Para o pequeno, aquele ser gigante pôs fim a sua noite de refresco livre. 
Ela perguntou num tom impróprio para se tratar um cliente, se o garoto queria sorvete. Obvio! Sim, desejava sorvete. Respondeu imperioso. Você tem dinheiro? Perguntou a gigante. Oras, quem era ela para inquiri-lo de tal forma. Pensou o menino.
A mão morena consultou o pequeno bolso da bermuda azul.Ele não estava desprevenido. Havia o tesouro prateado de terras brasileiras. Sim tenho. Respondeu o menino com impaciência. Então, deixe-me ver o dinheiro. Primeiro o dinheiro! Arrematou a gigante. As sobrancelhas do rapaz juntaram-se ainda mais, e com a fisionomia grave tirou a moeda do bolso.
O que há?  Anda logo! Quanto você tem ai? Sem dinheiro não há sorvete. Ameaçou a mulher. O menino olhou a única moeda e a depositou na palma daquela mão ameaçadora. Cinco centavos! Exclamou a atendente. Os olhos da mulher cresceram mais para aquele menino estrangeiro, xereta, de fora da cidade, enfim que ela não conhecia. Isto não é o suficiente! Mas dito isto, o menino não se conformou, olhou para a moeda na mão da mulher com o ar de enganado. Sem sorvete! Isto não dá!
Ela confiscou os cinco centavos como parte do pagamento por uma outra remessa de sorvete que o menino não fazia muito tempo levara.  Sim, dizia a mulher aos outros fregueses, o menino havia saído dali não havia uma hora levando um sorvete de 75 centavos com o pretexto de que o pai pagaria depois. Ela não conhecia o garoto, quanto mais o pai. Nunca tinha posto os olhos naquela criança portuguesa que lhe custara 75 centavos no magro ordenado do mês. Minha gente, o patrão não estava para caridade com quem nem vivia ali! Certamente ia descontar o dinheiro do salário dela. Espertezas de criança! Ela era mais esperta! Era ver primeiro o cobre para depois ir tirando o sorvete.
O menino fechou no ar a pequena mão que esperava reaver os cinco centavos. Saiu chispado da sorveteria. Os cinco centavos são parte do pagamento! Os poucos fregueses olharam-no se afastar com pena. Não fazia bem criança sentir vontade das coisas. Pensei, mas não me atrevi a saldar a dívida do lusitano.
Porém, para surpresa de todos, quinze minutos depois volve o garoto soberbamente no estabelecimento, agora munido de uma nota de cinco reais. Cabeça erguida, sobrancelhas lustrosas segue até a atendente. Esta abaixa um pouco para receber a nota que o pai dera ao miúdo. Eis aqui! Entregou a nota à mulher. Faremos negocio! Disse em tom de gracejo a mulher. Qual sabor você quer? O menino apontou para o creme e o chocolate. Fez ainda uma observação! Sem cobertura. O menino não gostava daquela calda melada sobre o sorvete. Lambuzava a roupa e estragava o sabor. Apontou para a cereja. Só a cereja em cima.
Ele saiu de lá vitorioso equilibrando sua bandeja com uma apetitosa cereja e o troco dobrado dentro do bolso da bermuda. Do suposto pai viu-se a mão que estendeu a nota através do vidro do carro estacionado na praça, o mesmo carro que recolheu o menino na porta da sorveteria...

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