Já era noite quando o miúdo entrou na sorveteria da praça. Ele,  moreno-claro, possuía sobrancelhas escuras à lá Monteiro Lobato que se  encontravam graciosamente na testa curta. A face, o cabelo raspado e a roupa de  domingo davam um ar descontraído ao lusitano de seis anos. 
         Com  ternura apreciei a independência do rapaz que ia servia-se de sorvete com o pote  grande. Porém, ele necessitava de auxílio, o braço curto não alcançava o  freezer. Foi então que apareceu a atendente gorda e grande. Para o pequeno,  aquele ser gigante pôs fim a sua noite de refresco livre. 
Ela  perguntou num tom impróprio para se tratar um cliente, se o garoto queria  sorvete. Obvio! Sim, desejava sorvete. Respondeu imperioso. Você tem dinheiro?  Perguntou a gigante. Oras, quem era ela para inquiri-lo de tal forma. Pensou o  menino. 
A mão  morena consultou o pequeno bolso da bermuda azul.Ele não estava desprevenido.  Havia o tesouro prateado de terras brasileiras. Sim tenho. Respondeu o menino  com impaciência. Então, deixe-me ver o dinheiro. Primeiro o dinheiro! Arrematou  a gigante. As sobrancelhas do rapaz juntaram-se ainda mais, e com a fisionomia  grave tirou a moeda do bolso. 
O que  há?  Anda logo! Quanto você tem ai? Sem dinheiro não há sorvete.  Ameaçou a mulher. O menino olhou a única moeda e a depositou na palma daquela  mão ameaçadora. Cinco centavos! Exclamou a atendente. Os olhos da mulher  cresceram mais para aquele menino estrangeiro, xereta, de fora da cidade, enfim  que ela não conhecia. Isto não é o suficiente! Mas dito isto, o menino não se  conformou, olhou para a moeda na mão da mulher com o ar de enganado. Sem  sorvete! Isto não dá! 
Ela  confiscou os cinco centavos como parte do pagamento por uma outra remessa de  sorvete que o menino não fazia muito tempo levara.  Sim, dizia a  mulher aos outros fregueses, o menino havia saído dali não havia uma hora  levando um sorvete de 75 centavos com o pretexto de que o pai pagaria depois.  Ela não conhecia o garoto, quanto mais o pai. Nunca tinha posto os olhos naquela  criança portuguesa que lhe custara 75 centavos no magro ordenado do mês. Minha  gente, o patrão não estava para caridade com quem nem vivia ali! Certamente ia  descontar o dinheiro do salário dela. Espertezas de criança! Ela era mais  esperta! Era ver primeiro o cobre para depois ir tirando o sorvete.
O  menino fechou no ar a pequena mão que esperava reaver os cinco centavos. Saiu  chispado da sorveteria. Os cinco centavos são parte do pagamento! Os poucos  fregueses olharam-no se afastar com pena. Não fazia bem criança sentir vontade  das coisas. Pensei, mas não me atrevi a saldar a dívida do lusitano.
Porém,  para surpresa de todos, quinze minutos depois volve o garoto soberbamente no  estabelecimento, agora munido de uma nota de cinco reais. Cabeça erguida,  sobrancelhas lustrosas segue até a atendente. Esta abaixa um pouco para receber  a nota que o pai dera ao miúdo. Eis aqui! Entregou a nota à mulher. Faremos  negocio! Disse em tom de gracejo a mulher. Qual sabor você quer? O menino  apontou para o creme e o chocolate. Fez ainda uma observação! Sem cobertura. O  menino não gostava daquela calda melada sobre o sorvete. Lambuzava a roupa e  estragava o sabor. Apontou para a cereja. Só a cereja em cima. 
Ele  saiu de lá vitorioso equilibrando sua bandeja com uma apetitosa cereja e o troco  dobrado dentro do bolso da bermuda. Do suposto pai viu-se a mão que estendeu a  nota através do vidro do carro estacionado na praça, o mesmo carro que recolheu  o menino na porta da sorveteria...
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