domingo, 10 de outubro de 2010

A criança e a mãe

Presença

Priscila não sabia descrever a estranha sensação que indicava a presença de um parente. A mesma que sentia, quando uma amiga se aproximava da casa dela. Intuição? Priscila reconheceu a mãe de longe.
A mãe acabara de sair da loja e agora caminhava tranquilamente pela calçada.
- De longe parece tão pequena. Priscila pensou.
Dona Ana levava duas sacolas e a bolsa pendia imprudentemente para trás. Priscila quis correr para alcançá-la, para dar-lhe um forte abraço como nos velhos tempos. Porque não? Não. Ela estava atrasada para buscar Raquel na escola. Priscila inventou tantas desculpas como se alguém desaprovasse tal atitude. Ela observou a mãe até desaparecer virando a esquina.  
- Que má vontade você tem para fazer as coisas Raquel! Priscila repreendia a filha que puxava sua grande mochila de rodas cor de rosa. Um castelo e uma princesa...
Nada haver com nossa realidade. Pensava Priscila que não conseguiu fazer sua filha escapar das mesmas armadilhas do consumismo que ela caía quando criança.
 Então, chegou o dia em que seus professores falaram sobre cultura brasileira,Idade Média, Europa, mercado, publicidade e tantas outras coisas que Priscila percebeu, o quão estavam distantes aquelas histórias com castelos medievais.
Priscila tentou inutilmente explicar a Raquel os motivos para não comprarem a mochila cor de rosa. Não era por avareza, embora a mochila fosse cara e o material ruim. Onde podemos encontrar um castelo medieval? Nenhum argumento resolveu o impasse. Raquel era como uma bonequinha programada para querer justo aquilo que a mãe não queria.
As duas caminhavam para casa, Raquel arrastando seu sonho encantado e Priscila com remorso por não ter ido atrás da mãe. Uma mecanica conversa surgiu:
- Como foi sua aula hoje? Priscila perguntou.
A menina arregalou os olhos como se ouvisse uma voz fantasmagórica perguntando.
- Boa. Respondeu
- A professora viu o dever de matemática que eu ajudei você a fazer? Perguntou Priscila com ar interessado.
- Viu. Tava tudo errado. Você me ensinou errado! Respondeu Raquel.
O rosto de Priscila ficou vermelho. Ah é bom saber. Da próxima vez pede para o seu pai ajudar.
A menina parou no passeio e abriu a mochila. Tirou de dentro um caderno de desenhos com folhas de cetim entre as de sulfite.
- Olha o que eu fiz na aula hoje. Esticou o braço e entregou o caderno para a mãe
- O que são esses pontos marrons que você colocou aqui embaixo
- Estragou a flor. Afirmou Priscila entregando o caderno para a filha. Raquel pegou bruscamente seu caderno de volta.
- São formiguinhas, mãe! Respondeu
As duas deram as mãos e atravessaram a rua. A sombra de mulher estava ao lado da pequena.
- Mãe! Chamou Raquel.
Priscila fitou aqueles olhinhos castanhos cheios de doçura. A vida dela era diferente. Ela também era mãe.

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