segunda-feira, 2 de abril de 2012



Em Conceição da Prata Minas Gerais eram sete horas da manhã quando um toc toc ecoou do alto-falante da Igreja Matriz. Era a introdução da música que precedia os anúncios de falecimento. Anunciaram o nome do morto, mas os habitantes da cidade presumiram se tratar de “gente de fora” porque ninguém conhecia aquele sujeito. As beatas curiosas perguntaram se o falecido não possuía nenhum apelido que o pudesse identificar melhor ou uma alcunha de família que substituísse aquela incógnita. O sacristão fechou a cara e se recusou a dar maiores informações.

Na praça, as pessoas continuavam indiferentes à nota de falecimento, pois se fosse gente importante, o velório seria na câmara municipal e certamente não era o caso, pois a bandeira municipal continuava completamente hasteada. No salão de beleza da esquina as mulheres comentavam sobre a funesta música que ecoou da igreja, coisa que não se ouvia há muito nas cidades em redor.

O que era mesmo aquele toc toc?  A manicure perguntou brincando. Na porta do céu não há campainha!? E uma risada geral dominou as mulheres alheias àquela morte distante.

Enfim, numa terça-feira ensolarada não havia clima para luto naquela cidade trabalhadora. Somente as carpideiras e a “encomendadora” oficial de almas da paróquia estavam desesperadas a caça do velório. Naquela cidadezinha qualquer endereço que não estivesse no limite de quatro quadras ao redor da Igreja de Nossa Senhora da Anunciação era considerado bairro. Quanto maior  a distância, maior a dificuldade de achar.

O primeiro passo era rever o endereço do defunto. O desencarnado estava internado há dias em uma cidade vizinha, portanto, era necessário esperar pelo corpo. Grande ansiedade tomou conta das beatas.

Prepararam uma estratégia: enquanto as senhoras aguardavam a chegada do corpo, esperavam orando na igreja.

Surgiram diversos comentários ao longo da manhã: A demora era causada pela má vontade da família do finado! Os médicos identificavam a moléstia rara que vitimou o homem! ? A tal doença contagiosa rara necessitava caixão fechado e enterro rápido. Já tinha sido enterrado na outra cidade mesmo... O homem era de outra religião, agnóstico ou pior ateu? Entretanto, não havia nenhum detalhe a respeito do morto, nenhuma fofoca picante, ou escândalo para incrementar a conversa.

A apreensão era crescente dentro da igreja. Eis que às duas horas da tarde a mulher que estava de vigia apareceu na porta. Era o sinal. Do alto da avenida desciam rumo ao cemitério quatro homens solidários que seguravam as alças do caixão de madeira clara.

Depois de tanto tempo de espera, o homem ia ser enterrado assim, sem cerimonial, sem uma flor, sem parentes, somente com os companheiros que levavam o caixão. Este fato consternou as mulheres. Ele estava no asilo? Bem, não importava. O pobre necessitava ainda da ajuda delas dedicadas a confortar os parentes do morto e, na falta destes, de pedir humildemente que fosse logo aos céus aquela alma.  Colocaram-se em marcha atrás dos homens que seguiam em frente, já a certa distância. Todo o cerimonial ia ser feito, passo a passo, no caminho restante ao cemitério.

Ao verem as beatas, os passantes olhavam assustados para a morte que passava assim num dia de semana, em plena hora do expediente. Na praça, algumas meninas consternaram-se de ver Dona Luzia rezar por um indigente... Diante dos comerciantes da avenida principal, os rostos cansados daqueles homens de carregar aquele caixão pesado. Imediatamente, baixaram-se as portas dos comércios, os amanuenses saíram da prefeitura para olhar do passeio público, senhoritas fitaram das janelas de suas casas.

Enquanto a população de Conceição da Prata concentrava-se no enterro do indigente que recebia as últimas homenagens, quase à porta do cemitério os quatro homens viraram a esquina. Os homens seguiram com o caixão vazio para buscar outro morto que acabara de ser liberado pelo hospital.


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