segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Primeira mandante



Leo estava fechado no quartinho de despejo dos fundos. Mayara teve medo, pois o vínculo de sangue deles estava morto. Ela queria dizer algo que o impedisse o primo de sumir no mundo novamente. Por que algo nele impelia a isto? Leo já não era um rapaz de vinte anos de idade, portanto, sabia da própria vida. Ele não queria ver a moça.
Mayara arriscou-se e apertou a maçaneta com força na esperança que a porta estivesse trancada. Não estava. Leo sabia que a prima viria atrás dele. Quando ela entrou ele estava no fundo do quarto atulhado de ferramentas e caixas. A moça o viu carregando uma arma. O primo andava armado desde quando? Leo fitou Mayara com aqueles olhos verdes: misto de cansaço e tristeza.
-Você quer segurar? Aquelas palavras cravaram na espinha da moça. Estava óbvio que Leo a culpava por tudo. O acontecido, afinal era erro de ambos. Eles apenas esperavam o tempo prescrever. Entretanto, a lealdade construída na infância estava abalada.
-Quer que eu segure uma pistola? Perguntou incrédula com aquela cara de paisagem que irritava o mundo.
-Não entendo o seu espanto, pois já não o fez? Carinha de anjo não segura arma, mas se suja de sangue? Respondeu Leo com asco.
-Segura agora! Imperou o homem com raiva.
-Não vou pedir desculpas! Disse ele ao guardar a arma sem esperar a aproximação dela para cumprir a ordem.
-O que eu te fiz? Aquelas palavras saíram soltas, cínicas chacoalharam no ar e perderam a força. Mayara sabia.
- Não importa o feito, mas sim o que aconteceu depois. Disse ainda com a voz tremula.
- Para você não importa o feito, mas cumprir a pena. Respondeu Leo com um leve sorriso.
Mayara fitou o entorno cheio de caixas. Lembrou-se dos dias que passaram na rede, Leo, ela e as amigas. Eles balançavam a toda a velocidade na varanda da casa do avô. Ele não a enxergava. Leo arriscava-se roubando beijos de suas amigas mais velhas. Complacente Mayara assistia a tudo. Leo enxergava apenas uma criança. Estavam agora ambos, gastos pela vida. Melhor assim. Pensou ela. Era odioso ser aquele anjo assexuado, medroso. Foi de anjo que ele a chamou com desprezo. Repensou, enquanto o olhava.
- Nada mudou. Disse Mayara.
- Mudou sim. Você me acha horrível, não é? Você me acha um bandido desde aquela época. Agora sou o que o Bola seria. Disse Leo.
A menção aquele nome daria o tom da conversa daquele momento em diante. Estavam no quartinho fétido para remoer o passado. Era por isso que falavam baixo, evitaram se encontrar por dez anos. Morto o vínculo ele queria enterrar tudo. Mayara pensou nas palavras a dizer, aproximou-se mais e segurou aquela mão grossa, calejada.
- Não estou achando nada. Estou pensando em muitas coisas não ditas. Respondeu por fim apertando-lhe os dedos dele com sua mão magra e pequena.
- Vejo pela sua mão que pouca coisa a afetou! Não quero mais ver a sua cara de tacho aqui. Vai embora disse empurrando com força a mão de Mayara!
- Some! Disse Leo apontando a porta.
- Não temos nada em comum, saio e acabou. Respondeu Mayara com impaciência.
- Você não me dizia muito, mas eu sempre tentei te proteger. Você é uma ingrata que ajudei. Disse vagamente Leo.
- Eu sei. Depois? Respondeu Mayara de braços cruzados olhando fixamente para o primo.
- Depois daquele dia, o que eu fiz levou a todo o resto. Sempre a polícia atrás de mim e se me pegarem... ziguezagueou Leo.
Mayara adivinhou tudo e doeu-lhe na alma ver o primo ser condenado. Passaria o resto dos dias na cadeia ou seria morto.
- Você sofre demais menina! Pior, por nada. Respondeu Leo.
A conversa foi interrompida abruptamente, quando a mãe de Leo abriu a porta e encontrou os dois primos dentro do quartinho com a pequena janela fechada. Mayara não teve coragem de encarrar a tia e saiu sem dizer nada. A mulher morena e baixinha continuou na porta com um semblante sem graça. Depois que a sobrinha já tinha atravessado o quintal a mãe de Leo falou:
- O que estava acontecendo aqui?
- Nada de importante com essa idiota! Respondeu Leo com afetação.
- Ela queria mexer nas caixas, mas eu não deixei. Afirmou Leo.
- O que Mayara ia fazer com as ferramentas ? Perguntou a mulher desconfiada.
- Sei lá! Disse Leo saindo do cômodo.

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