terça-feira, 28 de agosto de 2012

Escada para o céu

                                                      Escada para o céu

        Era uma viagem atípica. Todos iam calados no carro, a mãe de Tainá não ousava por nenhuma música no toca fitas. Viajavam rumo à Bom Sucesso, no sul do estado de Minas como faziam quase todas às férias escolares. Porém, desta vez, um carro fúnebre os seguia. Dentro dele o corpo da avó paterna de Tainá que morrera enquanto visitava a família.
       Ao adentrar na cidade várias janelas se abriram para ver passar o carro fúnebre com o corpo de Dona Rosário. O cortejo foi seguindo pela rua da rodoviária até chegar à casinha branca de janelas verdes. A porta da sala estava aberta. Os parentes esperavam ansiosos.
        Tinha chovido horas antes e a lama tomava conta da entrada da casinha velha. Tinha perdido o encanto que embalava as férias de Julho. No quintal imenso só as bananeiras enormes com seus cachos pareciam os mesmos. Terminava ali a infância de Tainá.
         O choro incontido dos parentes invadiu a sala quando o caixão entrou. Alguns familiares mais exaltados acusavam os pais da menina de matar a avó. Porque Tainá havia convidado Dona Rosário para ir visitá-los no Norte de Minas. Espantados alguns amigos da família acomodavam-se para o velório, enquanto uma nora puxava o terço. Uma confusão geral.

             Esquecida em meio a balburdia Tainá sentou-se em uma poltrona no canto da sala. Fitou a avó Rosário, envolta em flores naquele ambiente sinistro. Aquela sala já era mórbida para a menina. Ela se perguntava por que as tias-avós fizeram questão de colocar no oratório o retrato preto e branco da mãe defunta. Costume do povo antigo, dizia o pai de Tainá. Coitadinha da bisavó, morrer grávida! Compadecia-se a garota toda vez que fitava aquele destino triste. Na foto dava para notar a barriga grande.
           -  Do que será que ela morreu? Perguntou Tainá com olhos curiosos.
           -   Ninguém sabe. Respondeu o pai de Tainá transtornado com a situação.
           -   Naquele estado, provavelmente a bisa sofreu para subir a escada rumo ao céu. Disse Tainá deixando o pai sem entender.

       Ela desviou o olhar da foto e voltou sua atenção para a avó.
       Vovó também morreu, mas não parecia, pois seu semblante era sereno como se ela estivesse dormindo profundamente. Será que a vó já se encontrou com sua mãe? Perguntava-se.
A garota lembrou-se da vez que naquela mesma sala, no seu aniversário de sete anos, soube da existência da escada de Jacó.
         Dona Rosário estava contentíssima por causa da festa que organizara para a neta querida. Pela manhã daquele quatro de julho encomendou o bolo na padaria e encarregou-se de providenciar os convidados. A mesma sala escura, repleta de dor, estava alegre aquele dia. A casa cheia de crianças que Tainá via pela primeira vez. São amiguinhos da vovó. Afirmava seu pai sorridente.
          O bolo grande e branco foi colocado sobre a mesa. Os copos retirados de baús pela primeira vez iam ser usados. Enquanto a criançada corria envolta da casa. Tainá preferiu ficar um pouco mais na sala em companhia de Lola, uma das suas tias-avós.
           Lola, amiguinha tão pequena, parecia mesmo uma criança. Pensava Tainá medindo a altura de ambas.
           Nem naquele dia Lola parecia feliz. Todavia, no velório, os olhos verdes de sua tia avó estavam desesperados, como Tainá nunca tinha visto. Seu semblante estava perdido e choroso.
            A menina muito se arrependeu de não ter ido brincar com as outras crianças lá fora no dia do seu sétimo aniversário! Maria chegou e imediatamente puxou assunto com algumas senhoras. Falavam sobre envelhecimento, idade e morte. Talvez o fato de estarem em um aniversário de criança suscitou-lhes tal questão, do mesmo modo que provocaram uma raiva tremenda em Tainá quando conseguiu ouvir o que falavam. “Estraga prazeres!” Pensava. Tainá, mesmo incomodada, ouviu a conversa interessada em desvendar o mistério do mundo que os adultos guardavam para si e não contavam às crianças. Não queriam assustá-las.
            Elas falavam sobre uma escada para o céu, com forma de caracol, infinita, que cortava as nuvens. As almas subiam por ela até chegar à porta do Paraíso. A Porta do Éden onde estava, obviamente, São Pedro, o porteiro celestial que deixava, ou não, a pessoa passar.
             Tainá imediatamente imaginou uma escada sem fim, na qual a pessoa exasperava-se em subir. A escada não possuía corrimão, mas acaso a pessoa se cansava de subir? Na dúvida Tainá aproximou-se mais e as senhoras perceberam seu interesse.
           -  E se a pessoa caísse? Perguntou Tainá.
           -   E se São Pedro impedisse sua entrada no céu? Indagou a mesma.
             Diante disto, Maria respondeu que nesses casos, a alma ia passar uns tempos no purgatório ou ia imediatamente para o inferno. Maria, mal intencionada, chocava a menina com uma terrível descrição do inferno. Ela afirmava ainda, que tal causo podia ser confirmado na Bíblia. Terminou dizendo que a menina ainda era jovem demais para pensar nisto e que as crianças sempre iam para o céu quando morriam.
               Lola ficou brava, porque a menina estava prestando atenção no que não era da conta.
              Enfim, impressionada, Tainá saiu ao encontro de sua avó sufocando uma vontade de insultar Maria que a fizera pensar na morte, algo sombrio e desconhecido em um dia de festa, tão feliz. A garota contou tudo a vovó que deve ter ralhado as irmãs que assustavam sua única neta.
               Vovó era especial como uma relíquia de um tempo de doçura. Pensou Tainá. Um filme rápido passou na mente dela, fazendo-a lembrar de uma porção de casos divertidos que as duas, passaram juntas.
               A mocinha levantou-se da poltrona para olhar mais de perto o cândido rosto de sua avó, enquanto as tias-avós ficavam histéricas com a proximidade do enterro.
                Tainá tocou a mão de sua avó, fez uma prece e disse a ela em tom de segredo.
              - Eu sei que a senhora chegou aí em cima de elevador!





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