terça-feira, 28 de agosto de 2012

Pássaro de Fogo

Pássaro de Fogo


“ No banco de Jardim o tempo se desfaz e resta entre ruídos a corola de paz...” Carlos Drummond de Andrade

     Era fim de tarde quando eu mais Lucinha estávamos sentadas no banco do jardim admirando os ipês floridos da praça. Todavia, Lucinha fixou o olhar no extremo do canteiro descobrindo algo novo. Desde menina eu já conhecia que tal olhar significava encrenca.

      Ela se levantou e foi na direção do seu objeto de desejo. Era uma exposição de arte. As pessoas admiravam as peças feitas com plástico reciclado. Uma em especial havia fisgado os olhos de minha amiga.

      Lucinha rodava segurando-se no poste de sinalização. Pedia com voz meiga um autografo a fênix. Ela queria uma lembrança da figura de pássaro! O pássaro orgulhoso não se comovia com a doçura na voz de Lucinha.

      Um guarda municipal aproximou-se para resolver o problema. Ele tentou, em vão, tirá-la daquele espetáculo. As pessoas à volta olhavam estupefatas, entretanto o pássaro continuava impassível.

       Na alucinação de Lucinha o pássaro de plástico era uma fênix. Ela o via metade fogo, metade moço. Queria voar para longe com ele. Leve-me contigo. Pedia ela como uma fã incorrigível.

       Ela queria voar para longe daquela realidade que a aprisionava. Mas qual realidade? Lucinha nasceu ambígua? Uma hora ela queria conversar com as amigas, na outra pedia autógrafos a pássaros.

       Eu, boa amiga, não queria deixar Lucinha ali à mercê do escárnio geral. Lucinha ria e pedia para o pássaro atende-la. O guarda municipal sugeriu que chamássemos uma ambulância. Afinal, Lucinha não podia continuar na praça dando show.

        Lucia Helena podia passear desde que comportada, calada e sem assustar as crianças. Ela não podia deslumbra-se com o mundo sem aviso prévio. Estávamos papeando e ela se perdia no sonho.

       Tentei compreendê-la. Era um pássaro bem feito, observei. Obra pós-moderna que Lucinha quis animar. Ela encostou a varinha encantada e ele ganhou forças. Antes dela era um pássaro bonito, mas chato. Nem a peça mais especial eu considerava. Ele estava exposto à curiosidade banal dos passantes até que Lucinha deu-lhe vida! Logo que a ganhou o pássaro viu-se importante e esnobou sua animadora.

        Vendo a necessidade de irmos para casa e antes que o guarda perdesse a paciência tive uma ideia. Lucinha vamos embora que está na hora de comprar merenda pro café! Disse encostando minha mão em seu ombro. Para de dar importância para este pardal. Disse. Pardal. Repetiu Lucinha despertando. Pois é! Vamos! Concordou a minha amiga.

        A galera dispersou-se, mas antes ouvi algumas palmas. Grande performance a nossa.

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