Certa vez numa noite de insônia
minha avó contou-me uma pequena e fantástica história sobre maledicência:
Há séculos uma
comunidade formou-se num dos caminhos que os tropeiros usavam para cruzar a
Serra da Mantiqueira. Eram anos difíceis e a fofoca tornou-se mercadoria de
troca entre os seus habitantes. Logo ninguém mais comprava uma vaca, tratava
casamento ou abria conta em venda sem antes se dirigir à mestra das fofoqueiras.
A mulher era Matilde,
muito espirituosa e simpática que dava sempre um parecer. As suas sentenças
eram baseadas na experiência e no acúmulo de fragmentos desencontrados de conversas
captadas ao pé da janela. Eram longos dias de observação da rua.
Muito justa e
honesta tal mulher sempre apontava os defeitos das pessoas e dificilmente
comentava a própria vida. Jamais reclamava.
Certo dia
apareceu na rua principal do lugarejo uma mulher perguntando onde vivia Matilde
de tal. A mulher bem mais jovem dizia-se sua sobrinha. Mercedes ao encontrar a
casa começou a bradar aos quatro ventos os males que a tia lhe causara. Um
escândalo! A boa Matilde havia fugido fazia tempo da cidade natal levando tudo
que a família tinha.
A sobrinha
sentia uma maldade imensa crescendo dentro do ventre, enquanto denunciava os
desaforos que Matilde cometera. Aquele sentimento rebentando a garganta era
maldade mesmo? Era um broto saído do cantinho mais fundo das entranhas. Vinha
crescendo lentamente, enquanto a sobrinha traída falava. Entretanto, ainda doía
contar para toda a gente que parava para escutar. Não surtia efeito positivo descrever
os atos perversos daquela mulher supostamente honesta. Mercedes não sentiu o
alívio que imaginou durante anos que invadiria sua alma erodida, tão pouco, raiva.
Era tarde, a alma dela não se recuperaria como supunha. Nem um riso de desespero
ou falsa alegria vinha iluminar seu rosto transtornado. A percepção da imobilidade
de sua condição fincou. O ressentimento que guardava a arrebatou.
Matilde; a
julgada demonstrava uma estranha alegria, mesmo a sobrinha afrontando-lhe
defronte a sua casa. Apenas ouvia da janela em que sempre acompanhava o
movimento. Nada respondia. Afinal, todo o mal que poderia causar aquela
criatura que estava a sua frente estava completo. Os anos amorteceram todas as más
ações passadas. A sua atual figura franzina acobertava cada pequena maldade. As
grandes cairiam mais rapidamente no esquecimento. O tempo envelheceu aquelas
histórias tristes e confusas ditas pela sua pobre sobrinha. As testemunhas
estavam mortas ou a léguas dali o que dava no mesmo. Matilde ria-se por dentro,
porque apesar daquele julgamento público, sua vida correria bem. Ela era feliz.
Nenhum arrependimento. A idade e o rosto
franzino marcado de rugas a inocentavam. Soberba, não arredava dali.
Mercedes
sentia suas fortes dores no ventre novamente. Era o remorso fluindo vivo. Afinal,
era sua Tia. Porém, não podia voltar. Torcia-se e sentia náuseas, mas ninguém
veio ao seu auxílio. Num instante as dores cessaram e quando se deu conta havia
regugitado um espelho.
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