terça-feira, 14 de agosto de 2012

Onde Mora Matilde?




               Certa vez numa noite de insônia minha avó contou-me uma pequena e fantástica história sobre maledicência:

Há séculos uma comunidade formou-se num dos caminhos que os tropeiros usavam para cruzar a Serra da Mantiqueira. Eram anos difíceis e a fofoca tornou-se mercadoria de troca entre os seus habitantes. Logo ninguém mais comprava uma vaca, tratava casamento ou abria conta em venda sem antes se dirigir à mestra das fofoqueiras.

A mulher era Matilde, muito espirituosa e simpática que dava sempre um parecer. As suas sentenças eram baseadas na experiência e no acúmulo de fragmentos desencontrados de conversas captadas ao pé da janela. Eram longos dias de observação da rua.

Muito justa e honesta tal mulher sempre apontava os defeitos das pessoas e dificilmente comentava a própria vida. Jamais reclamava.

Certo dia apareceu na rua principal do lugarejo uma mulher perguntando onde vivia Matilde de tal. A mulher bem mais jovem dizia-se sua sobrinha. Mercedes ao encontrar a casa começou a bradar aos quatro ventos os males que a tia lhe causara. Um escândalo! A boa Matilde havia fugido fazia tempo da cidade natal levando tudo que a família tinha.

A sobrinha sentia uma maldade imensa crescendo dentro do ventre, enquanto denunciava os desaforos que Matilde cometera. Aquele sentimento rebentando a garganta era maldade mesmo? Era um broto saído do cantinho mais fundo das entranhas. Vinha crescendo lentamente, enquanto a sobrinha traída falava. Entretanto, ainda doía contar para toda a gente que parava para escutar. Não surtia efeito positivo descrever os atos perversos daquela mulher supostamente honesta. Mercedes não sentiu o alívio que imaginou durante anos que invadiria sua alma erodida, tão pouco, raiva. Era tarde, a alma dela não se recuperaria como supunha. Nem um riso de desespero ou falsa alegria vinha iluminar seu rosto transtornado. A percepção da imobilidade de sua condição fincou. O ressentimento que guardava a arrebatou.

Matilde; a julgada demonstrava uma estranha alegria, mesmo a sobrinha afrontando-lhe defronte a sua casa. Apenas ouvia da janela em que sempre acompanhava o movimento. Nada respondia. Afinal, todo o mal que poderia causar aquela criatura que estava a sua frente estava completo. Os anos amorteceram todas as más ações passadas. A sua atual figura franzina acobertava cada pequena maldade. As grandes cairiam mais rapidamente no esquecimento. O tempo envelheceu aquelas histórias tristes e confusas ditas pela sua pobre sobrinha. As testemunhas estavam mortas ou a léguas dali o que dava no mesmo. Matilde ria-se por dentro, porque apesar daquele julgamento público, sua vida correria bem. Ela era feliz. Nenhum arrependimento.  A idade e o rosto franzino marcado de rugas a inocentavam. Soberba, não arredava dali.

                Mercedes sentia suas fortes dores no ventre novamente. Era o remorso fluindo vivo. Afinal, era sua Tia. Porém, não podia voltar. Torcia-se e sentia náuseas, mas ninguém veio ao seu auxílio. Num instante as dores cessaram e quando se deu conta havia regugitado um espelho.

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