quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Côncavo e convexo


    A adolescente que vejo é apenas uma sombra ao fim do corredor. Na escola ela não usa máscara, mas atrás do sarcasmo e da chatice de sempre há um anjo, ou melhor, dois. 

    A menina que coloca o pé para que as colegas tropecem antes de entrar na sala de aula, que implica com as outras e não hesitara em atormentar e a mesma que dá aulas de catequese aos finais de semana. Nada surpreendente, porque a irmã dela faz o mesmo. É o côncavo e o convexo. O que posso esperar delas já que sei o seu segredo? Será que é segredo? Penso eu, enquanto vejo-as entrarem no salão paroquial. Ainda bem que nenhuma delas é minha professora de Crisma. Aniquilaria o pouco de convicção que me resta. Apesar de tudo é preciso ser crismada.

    Depois de umas idas a igreja, percebo que ela e a irmã participam ativamente das atividades cristãs do bairro, bem longe da escola que frequentamos. Passei a observá-las mais na escola. Vejo a linda expressão que nasce em seus rostos quando algum desavisado cai no corredor.

    Por que eu não as vi antes na função de santinhas? Deve ser por que dificilmente eu vou à missa. Será que na escola alguém sabe? Talvez já que uma função não exclui a outra.

    Há uma ética na qual não dá para ser delicada apenas aos sábados e domingos. A dúvida permanece, eu já não tenho tanta certeza de que elas são desagradáveis. Elas estão sempre sorrindo, solicitam, cantam e rezam com o ninguém. São dois rouxinóis.

    O que há, então? A irmã mais velha tem olhos constrangidos quando me vê na igreja. Ali não dá para por o pé e rir quando alguém se esborrachar. Eu as contemplo. A irmã mais moça é tão meiga ensinando os dez mandamentos as crianças. Nem de longe parece a cavalgadura de 1,80 metros que dá encontrões nas outras meninas entre os intervalos das aulas. E o vocabulário delas! Um primor. Ainda ontem, escutei a torrente de palavrões que soltaram na hora do recreio. O que pensam de mim, eu sei, e sei por que já me chamaram de nomes impublicáveis. Agora me olham tímidas como se suspeitassem o que eu estou pensando. Mas não tenho poder algum. Elas não temem que Deus as olhe com os mesmos olhos que qualquer colega de escola ao ver essa cena. Ele deve ver muito mais.

    Tenho vontade de dizer. Eu não tenho nada haver com a vida que levam. Calma, eu gosto apenas de ver a mudança de comportamento todos os sábados, não vou comentar.

    Eu não sei o nome delas. Vejo apenas suas sombras correndo bem maiores que a pretensa luz.







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